quinta-feira, junho 15, 2006

Manequim : .

O ultimo ramo de flores
Caia estatelado naquelas tábuas
Que juntas são um palco
O Ponto disse: -Até amanhã.
Despi aquela farda que me tornava alguém
Limpei a pintura que alegrava alguém
E em cima da mesa as mensagens do costume:
De alguém.

A chuva parou há pouco
E pela rua molhada
Espelha-se o reflexo dos néons.
Havia um diferente, meio apagado,
Tombado,
Como se tivesse os dias contados,
Fez-me erguer a cabeça,
Por entre as golas do meu sobretudo
Conseguia-se ler,
Na porta: “Vende-se”
Na montra um manequim
Vestido duma data extemporânea
Com uma cor extemporânea
Com uma pose, um cabelo e um olhar
Extemporâneos.

O rio teimava acompanhar-me
Queria contar os meus passos?
Mas aquele manequim fixava-me
Todas as ideias.
Adormeci guardado naquele olhar
De manhã acordei extasiado
Parecia que o calendário tinha parado
Não me preocupava cumprir os compromissos
Que anos havia apenas vivido.
Preocupava-me aquela montra.
Preocupava-me aquele manequim.
Duas semanas passaram
Todos os dias no final do espectáculo
Eu voltava por aquela rua
E passava horas falando para aquela montra
Não é que o manequim se ria
Por vezes dançava para mim
Fazia caretas, chorava,
Chegou até a beijar o vidro
E eu senti aquele calor labial!
Sentia-mos uma dependência além
Do natural, além do físico
Além do explicável por qualquer formula
Matemática criada até hoje.
Decidi aparecer numa tarde
A rua parecia outra
Pessoas passavam sem vida
O barulho de tudo que parecia ter vida
As crianças corriam para a vida.
As aves rasavam com vida
Dois idosos restavam da vida.
Prostitutas voltavam e vendiam
A vida.

O néon estava direito
A fachada pintada de fresco
A montra tinha outra arquitectura
Mas não havia mais manequim
Naquele lugar agora
Três arames com pano
Candeeiros de arame
Letras grandes de números
Presas em arame.

Começava a musica
Era o mote para a minha entrada fulgurante
Sei que a sala estava cheia de alguém.
Sobre as luzes dos projectores
Os olhares fixos avalizantes
E eu seco, sem sabor,
Sem manequim não havia espectáculo
Sei que não tinha alimento quando
Sai-se dali.
O Ponto aumentava a voz
Sentia que eu não ouvia.
Tudo parou,
Fez-se silêncio
Pareciam horas que me permitiram
Perceber o que cada rosto era em alguém
Apagaram-se as luzes
Desapareciam os rostos
Surgia alguém a assobiar
E ria…
E eu conhecia aquela gargalhada
Levantou-se do meio de alguém
Quem eu conhecia
Aquele manequim que agora
Aplaudia e retorquia
Com bravos e flores
Afinal existia e tinha vida
Foi liberta e procurou-me.

No meio da multidão
Não atendemos
Quem precisa da nossa atenção
Sem os pequenos sinais.

1 comentário:

Anónimo disse...

I JUST SAY YOU ARE AMAZING, i CAN'T LEAVE WITHOUT YOUR POETRY.
yOU ARE THE ONE AND ONLY.